7.11.09

Pobres coitados

O brasileiro é um coitadinho. Eis a característica que unifica um povo tão diverso. Porque o brasileiro pode ser qualquer um: pode ser alto ou baixo ou de altura mediana, pode ser loiro ou negro ou mulato ou moreno, pode ser turco, japonês, alemão, africano. O brasileiro pode ter qualquer aparência, e não é por outro motivo que o passaporte brasileiro é o mais cobiçado pelos escroques internacionais. Mas todo brasileiro se sente um coitado. Todo brasileiro se acha injustiçado. Os chefes dos brasileiros são incompetentes e os perseguem. Os policiais os oprimem. Os governos são ainda piores: extorquem empresários e trabalhadores, e se esquecem do povo.
Ah, o povo. O brasileiro sempre fala no povo como uma gigantesca e impalpável entidade subalterna a outra entidade não tão gigantesca, mas igualmente impalpável: a malévola “Eles”. “Eles” se aproveitam da ingenuidade do povo, “Eles” são corruptos, “Eles” é que estragam um país tão rico e belo, “Eles” não sabem aproveitar as qualidades dessa gente inzoneira, feliz e criativa.
Quem são Eles?
Os governantes, os chefes, as autoridades. A responsabilidade é toda deles.
O brasileiro ganha mal? A culpa é do patrão que o explora. Mora mal? Por causa do Estado, que não financia a Habitação. As filas, a violência urbana, a sujeira das cidades, a carestia — Eles são culpados. A razão do problema nunca está no brasileiro, está fora dele.
Há meses atrás, milhares de brasileiros foram vitimados pelas enchentes em Santa Catarina e parece que neste caso não dá para atribuir a culpa a ninguém, senão à Natureza inclemente. Aí, como reagiram alguns brasileiros à tragédia que martirizou seus semelhantes? Comerciantes aumentaram os preços dos alimentos e da água potável — li que um litro de água chegou a ser vendido a R$ 14. Flagelados não abandonaram suas casas com medo de que fossem arrombadas. Depósitos de mercadorias foram atacados. Vi fotos de gente levando produtos de saque pela rua dentro dos próprios carrinhos dos supermercados. Não eram alimentos. Eram TVs de tela plana, eletrodomésticos e bebidas alcoólicas. Uma farra. Para arrematar a festa, os caminhões que tombavam nas estradas foram saqueados pelas comunidades lindeiras às rodovias e pelos outros motoristas. Isso sem falar dos voluntários que desviavam as doações que chegavam do País inteiro.
É o brasileiro que faz tudo isso. Não são os chefes, nem os patrões, nem os governantes que espoliaram os flagelados, roubaram motoristas acidentados ou invadiram casas, supermercados e depósitos. Não foram “Eles”. Foram os brasileiro. O povo. Por sua conta e iniciativa, sem que ninguém ordenasse ou o obriguesse.
O que são essas pessoas que saquearam caminhões tombados ou casas abandonadas?
Não são oportunistas. São ladrões vulgares.
O que são os homens que aumentavam o preço da água potável que saciaria a sede dos flagelados?
Exploradores cruéis.
Não são coitadinhos. São mesquinhos, gananciosos e desprezíveis. São grosseiros, velhacos e baixos. São a ralé. A escória da raça humana. São grande parte do povo brasileiro.

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