8.11.12

O dia que quase fui à lua!

De vez em quando eu fico na varanda à noite olhando o céu, tentando vislumbrar a imensidão do universo. Não consigo vislumbrar muito longe, na verdade: o máximo do universo que dá para ver da minha varanda são os velhos prédios da Avenida Protásio Alves. O céu propriamente dito é constantemente ofuscado pelas luzes que batem nas nuvens (ou na camada de poluição).

Acontece que, ainda assim, olhando para o alto eu percebo que além dos velhos prédios da Protásio Alves, das nuvens e da camada de poluição, há um número incalculável de coisas. Esse tipo de pensamento faz com que eu me sinta bem pequeno, irrelevante. E então, o inevitável acontece. Começo a filosofar.

Diante da imensidão do universo, será que é mesmo relevante agitar o Toddynho antes de beber?

Existe doce de leite lá fora?

Por conta da distância em anos-luz, a imagem que nos chega dos diversos pontos do universo é de galáxias que existiram bilhões de anos atrás. Então não seria simpático a gente mostrar os números atuais da loteca para eles?

Não é de hoje que eu penso nisso. Certa vez, em busca desse tipo de resposta, ofereci-me de voluntário para um programa da Agência Aeroespacial Clandestina do Sumatra. Não era nada muito oficial. Estávamos em plena Guerra Fria e eles eram um grupo que queria entrar na corrida espacial. Tinham planos de ir à lua e eu comecei o treinamento para tripular a missão.

Não foi um treinamento fácil. Eu precisava aprender a aguentar a intensa propulsão de um foguete na decolagem, suportar a gravidade zero e – o mais difícil – entender o que se fala naquele radinho cheio de chiado usado em missões espaciais.

(Ao que consta, Neil Armstrong na verdade havia dito, ao pisar na lua: “acho que esqueci o gás ligado em casa”. Mas com toda aquela estática na transmissão, entenderam a história do pequeno passo, grande salto.)

Mas eu passei no treinamento. Tive especial aproveitamento nas aulas de etiqueta espacial, onde aprendíamos as combinações mais elegantes de sapato com traje espacial.

Estava tudo pronto para o lançamento e nós chegaríamos à lua antes de todo mundo. Mas atrasamos porque eu quis fazer uma boa fita cassete para colocar no caminho – Pink Floyd teria um certo clima, mas acabei optando por Beach Boys para dar uma animada. Por conta disso, os americanos acabaram chegando lá primeiro.

Vendo as imagens da NASA na lua, o pessoal da Agência Aeroespacial Clandestina do Sumatra acabou desistindo da ideia: a vista de lá era até bonita, mas não havia muito o que se fazer na lua. Acabaram nos mandando para as Bahamas, que tinha um custo-benefício muito melhor.

Não posso reclamar. A insignificância do ser humano diante da vastidão do universo fica bem agradável quando se está deitado em uma espreguiçadeira ao sol.

19.9.12

Música e Dança

Devo ter falado do assunto aqui em alguma outra ocasião. Mas quem já me viu em uma pista de dança sabe bem o que é sacudir o esqueleto com classe: e é absolutamente o oposto do que eu faço.

Sim, eu cheguei a fazer uns dois ou três meses de aula com o Jaime Arôxa. Aulas que foram interrompidas de modo trágico, tentando aprender o bolero. Não gosto de lembrar disso. Causei um terrível acidente quando em vez de “dois pra lá, dois pra cá”, eu fiz “três pra noroeste, cinco pra baixo”. Errei o caminho. Esses cursos deveriam ter um GPS no material didático.

Depois disso, resolvi tentar o que se chama por aí de “street dance” ou, no meu caso, “possível AVC”. Eu ia para festas Soul e tentava botar pra quebrar nas pistas. Tinha alguns passos na manga, como o “elevador parado no quinto andar”, a “caminhada sobre lava incandescente” e o “arroz a granel”, que eu só usava quando tocavam O Guarani – coisa rara em festa Soul. Quando era uma música lenta, daquelas pra dançar de rosto colado, eu tentava a Umbigada, o que podia ser, admito, bem perigoso.

Lembro quando fui chamado para um concurso de B-Boy, um daqueles onde os competidores ficam disputando quem dança melhor, com alguns malabarismos. Uns se apoiavam com a cabeça no chão e rodavam. Outros giravam loucamente como rãs no liquidificador. Eu não. Eu fiz a incrível troca de joelhos. Sabe como é? É para causar uma ilusão de ótica com o rápido movimento dos joelhos se encostando e se afastando seguidas vezes, como que levados pelas mãos. Foi um terrível erro. Fiz com tamanha intensidade que acabei trocando os joelhos de verdade.

Os dois joelhos são muito parecidos e a princípio não seria um problema. Mas atrapalhou muito os meus movimentos. Quando o pé direito avançava, o joelho direito – que estava no lado esquerdo – tentava avançar também, levando a perna esquerda inteira junto. Parece que é por isso que eu não conseguia vencer um torneio de bicicross – me enrolo com os pedais.

Passadas algumas sessões de fisioterapia, voltei a normal. Os joelhos começaram a aceitar seus papéis trocados e eu pude voltar às pistas de dança, com o passo “Xícara-Bule-Escrava Anastácia-São Sebastião”, uma dança antiga, que me foi ensinada por um sábio e vem passando de geração em geração desde o tempo dos grandes bailes do império.

O “Xícara-Bule-Escrava Anastácia-São Sebastião” é um passo versátil. Pode ser usado em músicas de diferentes estilos, como “Signed, Sealed, Delivered, I’m Yours”, “They Can’t Take That Away From Me”, “I Call Your Name” ou o jingle do Eymael.

Hoje, eu fico apenas nesse único passo. Não arrisco mais. Quando tentei fazer o moonwalk, em uma festa de casamento anos atrás, fiz rápido demais e atropelei uma das madrinhas.

13.9.12

O que é necessário

Para se envolver com ruiva é preciso haver coração de sobejo.

Não que as ruivas não se amem facilmente. Na verdade, é comum que sejam amadas por muitos. Basta às vezes um só olhar para que isso aconteça.

É que, uma vez acesa a chama, nunca será pequena; será sempre fogo denso, impiedoso, inquisidor.

Portanto, para se relacionar com uma ruiva é preciso saber queimar. É preciso brincar sem medo com fogo. E é preciso também respeitá-lo – o fogo que nasce no crânio da ruiva feito cabelo, que lhe afogueia as faces. Um fogo que, quando afrontado, em lugar de aquecer, incinera.

Judas tinha cabelos vermelhos, diz-se; como Esaú também os tinha, e antes dele, Caim. Waterhouse pintou Lamia, lenda de sedução, com cabelos vermelhos; as madeixas com que a Vênus de Boticcelli cobre languidamente o sexo não são de outra cor que não a do fogo. Cor que é certamente um sinal de perigo. Sinal claro de divindade.

Para flertar uma ruiva é preciso fitá-la intensamente nos olhos – sejam azuis do mar, verdes dos fiordes ou, mais raramente, castanhos como a terra que os consumirá – e provar-lhe a ausência do medo. Conquistá-la no olhar primeiramente, e só depois no toque – pois tu certamente quererás tocar a pele muito, muito clara, de uma claridade quase ofuscante, mesmo sob o sol maldoso dos trópicos. Quererás isso como teus pulmões querem o ar. Eu sei porque já quis.

Mas, antes disso, terás de provocar seu sorriso, e embora sorrisos sejam fáceis na boca-morango da ruiva, não penses que serão todos teus. Alguns serão da tua tolice, da tua presunção, e estes ela te dará sem cerimônia, sem promessa, sem futuro. Serão paina ao vento, macios e inúteis. O sorriso que queres tomar da ruiva é o do fascínio. Pois ela, que fascina, não quer outra coisa que não ser fascinada. Ela é chama, e para incendiar deve ser alimentada com palavras hábeis, coração honesto, virilidade sem disfarces. É preciso atrevimento, mas nunca certeza; ela é adorada por muitos, e pode escolher a quem amar.

Então, quando obtiveres esse sorriso, estarás pronto para amar uma ruiva.

Para isso, começa sempre no beijo, mas que ele não seja sempre nos lábios-cereja, porque o óbvio a mortifica e ela deseja a surpresa, o ato que lhe faça justiça. Que teu beijo, pois, seja às vezes na superfície interna do pulso, onde veias de sangue azul chamam o olhar e provam que a pele é sensível; às vezes, no canto esquecido abaixo da orelha, que não é nem pescoço nem face, nem amor nem desejo – é algo entre mundos, e estar entre mundos é da natureza da mulher de cabelos carmesim, cobre ou dourado-fogo. Fica, pois, entre os mundos dela, como entre os lábios, entre os braços, entre os seios e afinal entre as coxas. Sem pressa, porém; pois para amar uma ruiva é preciso queimar como boa madeira no inverno: por toda uma noite, aquecendo a casa, crepitando baixo, estremecendo sempre até as cinzas.

Para merecer uma ruiva é necessário admirar-lhe cada sarda, da testa ao ventre, saboreando-as como raspas de canela que temperam a pele-leite.

É preciso consumir-se nos cabelos-labareda.

É preciso afogar-se no sexo, rubro jardim sem espinhos, e santificar seu aspecto perpetuamente virginal, a despeito do pecado, que ela te ensinará a adorar, se já não souberes.

Para envolver-se com uma ruiva – e disso sei por já ter admirado muitas – é preciso arder com graça.

É preciso amar um pouco o próprio inferno.

Por isso, ruiva, se é que deves mesmo me ferir, sê breve: tenho pressa do paraíso.

3.9.12

Fácil de lembrar

Algumas músicas antigas me trazem lembranças sempre que as ouço. Algumas boas, outras ruins. Mas não que isso faça diferença. O que acontece é que elas me trazem lembranças.

Puttin’ On The Ritz, de Irving Berlin, é uma delas. Sempre que toca essa música, eu lembro dos meus tempos áureos em Wall Street. Ganhei bastante dinheiro lá investindo em uma barraquinha de cachorro quente que vendia bem para o pessoal dos bancos. Mas então a ganância falou mais alto e eu comecei a especular: colocava mais mostarda que ketchup, trocava a salsicha comum por uma de frango e exagerava no curry. Perdi tudo para Rockefeller com sua barraquinha de pipoca, inteligentemente batizada de Pipockefeller. O sujeito era bom de negócios mesmo.

Outra música que me traz lembranças é A Fine Romance, na voz do Louis Armstrong. Ela me lembra a fórmula de Bhaskara. Eu usava a melodia e troquei a letra para ajudar a decorar. Até hoje não consigo cantar a letra original, mas me emociona do mesmo jeito.

In a Sentimental Mood, na versão do Duke Ellington com o Coltrane, é uma que me deixa melancólico. Ela me faz recordar de tempos difíceis, nas minas de Wigan Pier, esquecido na solidão daquelas catacumbas. E isso é bem estranho, porque eu nunca estive nas minas de Wigan Pier.

E então, quando os olhos começam a marejar, mudo para Feeling Good, da Nina Simone. Essa lembra de quando eu velejei pelas Granadinas, ao sabor do vento e com o sol batendo forte na cara. Bons tempos. Lembro dessa época não pela letra ou pelo espírito engrandecedor da melodia, mas porque na ocasião eu acabei acertando de proa um outro veleiro chamado Feeling Good. Foi bem irônico ver o desespero dos tripulantes contrastando com o nome otimista da embarcação, escrito em letras douradas.

19.8.12

Ainda largo a economia.

Meu problema com o comunismo não tem nada a ver com ideologia ou posição política. O negócio é ter que ler Marx ou Engels. Confesso que acho os textos deles bastante chatos de ler. Se eles tivessem chamado o Mark Twain para escrever o Manifesto Comunista, é bem provável que hoje mesmo eu estivesse agitando uma bandeira vermelha por aí com uma camisa do Che Guevara.

O fato de não ter paciência para textos marxistas foi o que quase me fez sair da faculdade de economia. E se por um lado eu não conseguia ler Karl Marx, por outro nunca tive o menor talento para cálculo.

Estatísticas, por exemplo. Lembro bem de quando eu flertei com a estatística. Eu tentava fazer cálculos para, por exemplo, descobrir quais as chances de cair um meteoro na minha cabeça. Concluí, na ocasião, que eram as mesmas de eu encontrar uma nota de dez marcos alemães na calçada. Nada que pudesse me apavorar. Até que encontrei uma nota de dez marcos alemães na calçada. Passei a andar nas ruas usando um capacete e pegava o metrô sempre que possível.

Também cheguei a calcular as chances de ganhar na loteira. No meu cálculo torto, descobri que eu teria mais chances se apostasse seis vezes no mesmo número. Fazia sentido, porque é mais fácil acertar um só número do que seis. E talvez eu até tivesse mesmo conseguido alguma coisa, se ao menos deixasse de apostar em números irracionais.

Não é que eu tenha abandonado de vez os cálculos estatísticos. De vez em quando, como hobby, ainda saco a minha velha HP 12C e faço umas contas. Invariavelmente, acabo errando. Talvez seja porque eu me acabo sempre me distraindo com aqueles botões com combinações de letras na calculadora. Até hoje evito apertar o EEX (cismei que ele pode acabar explodindo alguma coisa), mas gosto de apertar o PMT porque, na minha versão do aparelho, ele faz aparecer o Donkey Kong.

Mas o fato é que também não levo as estatísticas muito a sério. Elas nunca consideram o quão absurda a vida pode ser, de vez em quando. Acho válido usar isso a meu favor. Pode ser que qualquer dia a Mega Sena dê a raiz quadrada de dois repetida seis vezes.

29.6.12

Expandindo os horizontes

Compenso minha falta de talento procurando andar na companhia de pessoas realmente talentosas . Mas andar com artista, você sabe, é um problema.

Já frequentei muitos almoços e festas de artista, tudo com droga liberada. Da última vez, por exemplo, o Atroveran estava rolando solto. Tenho a impressão de ter visto até mesmo alguns comprimidos de Buscopan, mas eu que não sou chegado a essas coisas fiquei só no Atroveran. Eu também não queria me passar por careta e acabei aceitando um comprimido. Não iria aguentar a pressão do grupo.

Ao que parece, esse pessoal usa o Atroveran para “expandir os horizontes e aumentar a percepção do mundo imaterial” ou coisa parecida. Eu nunca entendi muito bem essas coisas porque o meu único contato com o mundo imaterial foi quando roubaram o toca-fitas do meu carro deixando aquele vazio no painel, muito tempo atrás.

Quando todos os convidados já estavam tomados pelos efeitos do Atroveran, alguém propôs um brinde a Gaia, Mãe da Terra, e ao seu primo de segundo grau, um tal de Serjão. A coisa foi ficando esquisita. E finalmente quando puxaram o violão e ameaçaram cantar O Trem Azul de trás pra frente em sincronia com O Mágico de Oz, achei melhor ir embora.

 Você sabe que o caminho do Atroveran é um caminho sem volta. Já vi pessoas acabarem caindo no Imosec depois, em busca de emoções mais fortes. Cheguei em casa e tomei um banho gelado para passar o efeito. Eu estava preocupado porque, no meio da viagem de Atroveran, eu me vi fazendo tererê em turista na Avenida Paulista para sustentar o meu novo estilo de vida alternativo.

 Não nasci para isso de ser hippie. Estou ficando careca demais. E além disso, usar sandália de palha nessa chuva ia acabar me dando um baita de um resfriado.

12.6.12

Os românticos

Um repórter de TV foi entrevistar aquelas cantoras que participaram de um especial com o Roberto Carlos, há poucos dias. Microfone em punho, abordou a Hebe Camargo. Quis saber:

— Por que Roberto Carlos é o Rei?

A Hebe, depois de uma miada:

— Porque ele é romântico...

Uma grave injustiça conosco, os demais homens, presumíveis súditos de RC. Pelo seguinte: pense em todas as músicas que existem no mundo, milhões delas, talvez bilhões. Em toda a poesia e a literatura. Os filmes. Do que tratam os filmes, a poesia e a música alguma vez já compostos sobre a Terra?

Do amor.

Amor, amor. Noventa por cento das músicas, dos filmes e dos poemas são sobre o amor.

Por que isso? Por nossa causa, nós homens. Porque somos românticos.

As mulheres acham que não. Acham que elas são as românticas. Estão erradas, e a prova disso é o dia de hoje, o Dia dos Namorados. Para quem o Dia dos Namorados foi criado? Obviamente, para as mulheres. Alguém há de dizer que se trata de uma efeméride urdida para satisfazer o romantismo feminino. Mas não. Porque o romantismo não pode estar assinalado no calendário. O romantismo é o que exsuda de um peito dolorido. Quando o Chico Buarque escreveu:

Passas em exposição

Passas sem ver teu vigia

Catando a poesia

Que entornas no chão

Quando o Chico escreveu esses versos, ele não os escreveu porque quis. Escreveu porque tinha de escrever. Porque sentia. Porque via aquela estátua de carne desfilando ali ao lado e precisava gritar o que sentia. E Paulinho da Viola, no dia em que ele cantou:

Ela declarou recentemente

Que ao meu lado não tem mais prazer

No dia em que Paulinho cantou esses versos, ele não os cantou; chorou. Os versos rasgavam seu coração — ela não sentia mais prazer ao lado dele.

E Lupicínio! Todas as músicas de Lupicínio, absolutamente todas, contam uma história de sofrimento. Se não sofresse, Lupicínio não escreveria:

Nunca, nem que o mundo caia sobre mim

Nem se Deus mandar, nem mesmo assim

A teus braços eu não voltarei!

Eis aí. Nós homens sofremos. Somos autênticos em nosso romantismo, e o romantismo só é autêntico se temperado pela dor. Um romantismo que flui todos os dias e se transforma em filmes, música e poemas, quase sempre compostos por atormentadas almas masculinas. Por isso é injusto quando as mulheres dizem que RC é rei por ser romântico. Não pode alguém se destacar por uma característica que todos os seus congêneres possuem. Todos os homens somos românticos. Todos, de caminhoneiros que lacrimejam ao ouvir versos de duplas goianas no asfalto escaldante da estrada a empresários que mergulham o diamante da amada numa taça de Dom Perignon. Todos! As mulheres? As mulheres precisam de datas, porque datas são símbolos. Símbolos de compromisso, que é o que lhes importa, afinal. O compromisso! Elas são práticas, elas marcam dias, elas planejam cerimônias. E nós aqui sofremos, nós homens, os verdadeiros românticos, que não precisamos de datas para sentir.

Texto retirado do (na minha opnião) ótimo David Coimbra.

2.6.12

Saudade

Alguém lembra: Thomas Green Morton? O cara aquele que tinha uma lâmpada em alguma parte do corpo, só não me perguntem onde e quantos watts eram. Fazia apresentações, curava mazelas, dava entrevistas, ganhava dinheiro e gritava Rá! Nunca consegui desvinculá-lo do Sérgio Mallandro.

Sabe, estou com saudades desse tempo de assistir coisas aparentemente impressionantes. Mesmo que fakes - e não circulavam nem sequer na meia verdade -, tínhamos ao menos o desafio de querer saber: “Peraí, como ele fez isso?”. Quem sabe depois mostrar no almoço da família no domingo.

Lembro, com essa, o mestre do ocultismo Chico Xavier. O precursor do “retweet”. Sobre ele, em mim, sempre pairou uma observação inquietante: ele nunca psicografou um professor de caligrafia.

Sabe, estou com saudade desse tempo onde a TV era uma caixa simples e misteriosa. Eu soletrava a marca Telefunken com uma dificuldade assombrosa. Os filmes tinham apenas atores e uma boa história. A gente acreditava até em coisas que não existiam, como o tubarão do Tubarão e as luzes do Thomas. Hoje, nem ET impressiona. Algo tão banal que ainda iremos topar em alguma fila de um bolsa-família.

E o vidente? Outrora símbolo de fascínio, hoje não passa de combustível de piadas previsíveis. Proponho testar a veracidade de algum em um jogo de roleta-russa. E o Inri Cristo. Será que se dermos um tiro ele ressuscita? Vamos testar.

Tenho saudades de um tempo em que pra se dar um “oi” era preciso avistar a pessoa. Hoje, crianças de 10, 12, se conhecem mais pela Internet do que na escola. Até a gente mesmo diz que morre de saudades pelo Orkut, mas se abstém de uma visita ao vizinho, ali, 300 metros.

Havia um tempo em que sempre aparecia algo original na música, na arte. Hoje tornou-se obscuro saber o que é diferente. Mesmo o estranho parece já ter sido feito por alguém. O incomum é mais rotineiro do que nunca.

Sabe, estou com saudade desse tempo onde a gente mandava o nostálgico ir se atualizar; o idealista, trabalhar; e o utópico, à merda. É muita saudade de tudo e de todos. Saudade, inclusive, daquele RÁ!

9.5.12

Trovão da monatanha

Todo mundo precisa de um momento de reclusão e isolamento da sociedade. Eu sei porque já tive isso na minha vida. Passei um ano como eremita no alto de uma montanha, não faz muito tempo.

Eu dormia em uma caverna, o que a princípio parece um tanto desconfortável. O encanamento, por exemplo, era péssimo e fazia barulhos estranhos durante a noite. O jornal chegava com certo atraso. Na segunda semana, recebi o jornal que comunicava a morte de Getúlio Vargas. E no domingo seguinte, a capa do jornal mostrava pessoas de roupas coloridas e óculos Ray Ban de armação xadrez, que eu só posso acreditar ter sido uma edição dos anos 80 chegando atrasada.

Tamanho isolamento também fez com que o meu open house na caverna fosse um fiasco. Mas se por um lado nenhum dos convidados foi, também não tinha nenhum vizinho para reclamar do barulho.

Deixei a vida de eremita quando saí pra comprar pão. A padaria mais próxima ficava em uma travessa da Paulista e eu não conseguia lembrar o caminho de volta para a montanha.

14.4.12

Musicoterapia

Fica aqui a dica do final de semana.

Qual rapaz pré-adolescente nunca foi o relatdo neste ótimo clipe da banda Vanguart?

Simplesmente demais!


12.4.12

Para bailar La Bomba!

Às vezes vejo as pessoas tensas no trânsito, numa partida de futebol ou no escritório e penso: “eles precisavam trabalhar um tempo no Esquadrão Anti-Bomba”. Aquilo sim é tenso.

Digo isso porque já trabalhei no Esquadrão Anti-Bomba. Entrei porque eles ofereciam horas prolongadas de almoço e um belo uniforme azul marinho de malha boa.

O dia a dia não era moleza, no entanto. Não bastava apenas seguir as instruções. Lembro-me, por exemplo, do Matheus Boca-de-Latrina. Era só cortar o fio vermelho, no lugar do azul. Mas o pobre homem era daltônico. Foi para os ares, em pedacinhos.

Eu não queria ter o mesmo destino de Matheus Boca-de-Latrina e, por garantia, andava sempre com uma tabela de cores que encontrei em uma revista de decoração. Ajudou em um caso onde a bomba tinha três fios, nas cores fúcsia, esmeralda e marfim. Cortei o fio fúcsia e fiz com os outros dois lindos arranjos para a sala de jantar.

O Esquadrão Anti-Bomba é para homens frios e calculistas. Tudo parece conspirar contra: o suor escorrendo por cima dos olhos, a tremedeira provocada pelas descargas de adrelina, o desconforto de estar espremido sob um carro-bomba, a cueca pinicando. E o tempo. Ah, o tempo, esse implacável inimigo.

O tempo pode ser traiçoeiro. Como quando eu fui desarmar uma bomba-relógio. No entanto, ela estava programada no fuso-horário de Macau. Quando descobri, já era tarde demais. A bomba explodiu e estragou o meu belo uniforme azul marinho.

Se tem uma coisa que acaba com a sua carreira no Esquadrão Anti-Bomba é estragar o uniforme. Até hoje estou pagando a conta da lavanderia.

23.3.12

Quando escapei da morte

Fico sempre indeciso quando estou em um restaurante com cardápio muito variado. Já me deparei certa vez com um cardápio que vinha em dezoito fascículos. Me enrolei no pedido e acabei comendo um testículo de touro vegetariano.

O que eu quero dizer é que fica difícil tomar uma decisão quando a gama de opções é grande demais. Foi o que me aconteceu quando fui condenado à morte por entrar no elevador que já tinha mais de oito pessoas. As leis de lotação de elevador são muito rígidas de onde eu venho.

Eu estava sentado na cadeira elétrica. O oficial responsável só estava esperando carregar o celular dele para ligar a cadeira na tomada. Enquanto isso, resolveu me conceder um último pedido.

- Depende. Quais são as opções?

- O que você quiser. – ele parecia bastante benevolente.

- Mas… qualquer coisa?

- Qualquer coisa. É o seu último pedido. É justo.

Aí é que começou o meu desespero. Não sabia o que pedir. Pensei, naturalmente, em pedir uma tórrida noite com a Scarlett Johansson, incluindo cafuné completo, na suíte presidencial do Burj Al-Arab. Mas eu pensei se não deveria aproveitar a oportunidade para realizar o meu sonho de ser o primeiro homem a pisar na Lua. Eu também andava com vontade de comer o spaghetti a carbonara do Pasquale, mas não sabia se eles entregavam a domicílio.

Com o tanto de opções, acabei errando de novo. Pedi testículo de touro vegetariano.

A minha sorte é que era a época do racionamento de energia. Deu o horário de pico e eles não poderiam mais ligar a cadeira elétrica porque alguém no prédio já estava usando o chuveiro quente. Saí de lá com uma advertência do oficial, dita em voz grave e ameaçadora.

18.3.12

Sexo sem sexo.

Esse texto é sobre o sexo que acontece antes da transa.
Esse mesmo: aquele fruto com sabor adocicado, recém mordido, cheio de vontade de mais. O sexo imaginário. Aquela dança que o cérebro nos manda seguir. Melódica e compassada, cheia de detalhes sórdidos e acordes afinados.
Aquele cheiro de pele suada, de perfume derretido entre lençóis. Com gosto de morango, chantilly e gozo. O sexo que não tem data marcada ou prevista, muito menos a certeza de que realmente acontecerá.
O sexo imaginário, aquele feito mil vezes antes de sentir o gosto real. Imaginar os detalhes. Arrepiar-se sozinho, só de fechar os olhos.
Despir com a mente, apertar o travesseiro na vontade de que ele fosse o corpo nu daquela ruiva que lhe ocupa vários momentos do dia.
Muitas vezes até melhor que na vida real, o sexo imaginário desperta desejos ocultos, curiosidades intensas e libidos fortes. Exala paixão quem transa com os olhos. E o melhor de tudo, pode ser feito em público sem atentado ao pudor.
Falta de pudor nos olhos. Sexo feito na sintonia de um olhar. Sem precisar dizer uma só palavra, sentir-se molhar.
Quem nunca?

16.1.12

Corra homem! Corra!

Embora hoje não seja do tipo atlético, já tive meus dias de esportista.Gostava especialmente de correr e participei de algumas maratonas importantes, inclusive a temida Paris-Dakar Sem Carro.

Minha técnica era correr metade da maratona usando apenas o pé direito e a outra metade com o pé esquerdo. Assim, eu não cansava as duas pernas de uma vez só.

Não fosse o meu terrível senso de direção, eu poderia ter ganho alguma dessas competições. Quando eu corri a Maratona de San Francisco, por exemplo, estava indo bem. Mas errei o caminho não sei onde e acabei indo parar na São Silvestre.

Parei de correr quando inventei de competir no Iron Man. Eu estava no auge do meu condicionamento físico, mas na pressa acabei me confundindo. Entrei com a bicicleta no mar. Você não faz ideia de como é difícil pedalar embaixo d’água quando você está usando pneu slick. E foi justamente por causa do pneu que eu perdi: furou quando pasei em cima de um ouriço.

Quando furou o pneu, mandaram-me ir ao box. Eu não sabia que tinha também essa categoria no Iron Man e saí distribuindo socos nos outros competidores. Fui banido para sempre de qualquer esporte e, desde então, só participo de um torneiro de lançamento de marcha atlética clandestina que acontece anualmente no subterrâneo de Hong Kong.

12.1.12

Nascido com um péssimo signo

Não acredito em horóscopo. Pelo menos, não no horóscopo tradicional. Eu sigo o Horóscopo Malvinense, que os ingleses chamam de “horóscopo das Ilhas Falkland”.

Pouca gente conhece esse horóscopo, mas ele foi criado para ser a prova de falhas. Talvez por isso mesmo, nunca tenha sido terminado. O Horóscopo Malvinense tem apenas cinco signos, todos eles nascidos entre os dias 20 e 29 de dezembro. Eu sou do signo do Pichicego.

De acordo com o horóscopo, “as pessoas do signo de Pichicego são lentas, preguiçosas e têm o poder de voar (válido para qualquer destino da América Latina, na baixa temporada)”.

O número de sorte do Pichiceguiano é o pi. Isso é péssimo, porque faz ficar ainda mais improvável ganhar na loteria.

O signo de Pichicego é regido pelo telescópio espacial Hubble e quando ele for desativado, parece que eu vou ter problemas.

Mas a maior desvantagem é que o Horóscopo Malvinense não sai diariamente. Você só fica sabendo o que vai acontecer com você depois que já aconteceu.

9.1.12

Minha história com a arte

Tenho um vizinho leiloeiro. A princípio, pensei que ele fosse marceneiro. Mas é um leiloeiro perfeccionista. Ele fica ensaiando a batida do martelo diariamente. No entanto, nunca reclamei. Não me incomoda o bastante e até me traz boas lembranças da época em que eu era colecionador de arte.

Naquele tempo, eu frequentava leilões com certo afinco. Comprei alguns quadros importantes. Como um do Goya, da fase negra. Bem negra mesmo. Um borrão de tinta preta, na verdade. Ninguém tem muita certeza se é do Goya mesmo, porque a assinatura também está em tinta preta.

Mas não é esse o meu quadro preferido. Gosto muito de um de Chong Li, um pouco conhecido pintor austríaco da Renascença. O quadro tem o nome de “Mulher Cavalgando nas Relvas” e retrata uma máquina de lavar abandonada na escada de um prédio.

No auge da minha obssessão, gastei uma fortuna em uma versão ampliada de “Cristo Lavando os Pés dos Discípulos”, que Tintoretto havia jogado fora porque não coube sobre a lareira.

Acabei me desfazendo da coleção por problemas de espaço. Não tinha parede o suficiente em casa para guardar a coleção e, então, comecei a erguer divisórias em todos os cômodos. Só na sala, fiz oito paredes. Ficou muito difícil encontrar o caminho até o banheiro.