Se escrevo agora, é tão somente para dar notícias de como anda minha saúde – ou melhor, minha doença.
A primeira coisa que posso dizer é que estou vivo – e isso você pode já ter percebido, considerando que estou escrevendo aqui.
A segunda coisa é que não sei ainda por quanto tempo. Talvez uns dias, talvez muitos anos. Isso nós nunca podemos precisar – a não ser que eu escreva um livro ou vire presidente do Senado e, assim, seja nomeado para a Academia Brasileira de Letras.
A terceira coisa que tenho a dizer sobre minha saúde é que a tosse ainda não melhorou. Continuo tossindo constantemente, apesar de estar bebendo litros de xarope diariamente. Do xarope, eu falo logo mais.
O fato é que tenho me medicado. O mais difícil tem sido passar Vick Vaporub nas costas. Tentando fazê-lo, tive uma espécie de torção estranha nos dois braços e nunca mais saí da posição. Desde então, tenho precisado fazer tudo com as mãos nas costas. Literalmente.
É como se eu estivesse algemado. Lembro bem dessa sensação, de quando fui preso por terem me confundido com um sujeito que havia devolvido a fita cassete na locadora sem rebobinar. Colocaram o FBI atrás dele e os agentes pensaram ter sido eu, por conta do começo com a letra "I" no nome: meu nome é Iuri e ele se chamava Ivolanda. Felizmente, tudo foi esclarecido antes que eu fosse para a solitária. As leis quanto à devolução de fitas cassetes não-rebobinadas são sérias.
Mas não é isso que vem ao caso.
Escrever não tem sido difícil. Uso o nariz para as letras e desenvolvi uma técnica para apertar o “shift” com as pontas das orelhas – podendo, assim, digitar as maiúsculas com certa agilidade que o “caps lock” não me permitiria ter.
O chato mesmo é trocar a camisa com as mãos presas atrás. Inexplicavelmente, eu até consigo colocar uma camisa nova. Mas para tirar, só estufando muito o peito e rasgando. Como o Hulk.
Tenho rasgado muitas camisas e agora só me restam umas camisetas de bandas obscura de foxtrot dos anos 30. Aquilo sim é que foi tempo para se viver.
De qualquer modo, os médicos deram um diagnóstico: pode ser escorbuto ou a Peste Negra. Receitaram que eu fosse queimado em uma fogueira, mas eu abri uma exceção nesse caso e resolvi adotar a medicina alternativa.
Tenho tomado bastante chá, mel e deitado meu corpo em brasa. O xamã garantiu que funcionaria melhor que o xarope e o Vick Vaporub. Não é o melhor dos xamãs, mas é o único que o plano de saúde cobre.
Com a tosse, ando pensando muito na minha morte. Quero o Requiem de Mozart no meu funeral. Já encomendei a orquestra para tocar o Kyrie e o grupo cubano para executar o Confutatis – sempre achei que essa parte da obra pedia uma certa malemolência latina.
Também vi recentemente um trecho de o Sétimo Selo e espero, sinceramente, que a Morte não apareça para jogar xadrez comigo. Nunca consegui jogar xadrez, porque acabo irritando o adversário: sempre que movo o cavalo faço o som do galope (“pocotó, pocotó…”) e dizem que isso não é de bom tom.
Mas se ela, a Morte, topar me fazer companhia para uma partida de Imagem & Ação, aí talvez seja uma boa.
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